quarta-feira, 2 de março de 2011

Sobre Cisne Negro:Odette,Odile e o espelho diante de cada um de nós


Aglomerados ao redor do lago, os cisnes acodem sua rainha Odette, devastada pelo fim da perspectiva de felicidade junto a seu príncipe. Pelas mãos do feiticeiro,Rothbart,Siegfried jura amor ao cisne negro, rompendo a promessa que poria fim à agonia do cisne, assim transformado pela maldição do mago. Em desespero,a bailarina sobe a rampa central do palco e lança seu corpo no ar, matando a si e ao personagem.. Os aplausos ecoam,Odette cai,consagrando sua interprete...

Criada por Vladimir Begitchev e Vasily Geltzer, com música de Tchaikovsky, a peça Lago dos Cisnes (Swan Lake) foi encenada pela primeira vez em 1877, em Moscou, sendo um retumbante fracasso na estreia. Alguns anos depois, em 1895, a montagem nos quatro atos originais finalmente conquistou público e crítica, tornando-se inovadora por incorporar o corpo de baile no drama da peça. Além disso, mostrou-se transgressora por trazer a saia curta,o “tutu bandeja”, ao cotidiano da dança clássica.No cinema, o universo do balé é frequentemente retratado como de superação e desafios ,como na produção de 1985, o sol da meia noite, que traz Mikhail Baryshnikov como um foragido russo em terras .Ir além disso é o que pretende o diretor de Cisne Negro, produção de 2011 que deu o Oscar de melhor atriz a Natalie Portman em 2011.
Na pele de Nina Sayers, Portman desfia as angústias do universo do balé,onde arte e competição se unem, trazendo o melhor e o pior do ser humano. De atmosfera soturna, lúgubre, o pequeno apartamento de Nina é cenário para a maioria de seus delírios, onde sua frustrada mãe desempenha o papel duplo de algoz e protetora. Bailarina do corpo de baile, Natalie é a própria encarnação de Odette, o cisne branco da história, envolvida na mais fina malha branca e echarpe, diáfana, caminhando pelo teatro em busca do papel principal na companhia.
Na primeira visão do salão de aula, os corpos longilíneos se exercitam obedientes, quando o diretor Thomas (Vincent Cassel) adentra a sala para escolher os candidatos ao novo espetáculo da casa. Os rostos se contraem enquanto ele toca levemente os escolhidos para permanecer no exercício, sobrando aos demais a tarefa de se apresentarem para conquistar os novos papeis.A peça? Lago dos cisnes.


Em seus movimentos precisos, Natalie ou a dublê da atriz gira infinitamente para conseguir seu primeiro papel principal, sem que se possa precisar ao certo onde uma ou outra assume, tal a perfeição dos cortes.
Mas não basta a perfeição ao papel, afinal o cisne tem dois lados, como Eros e Tânatos, os impulsos vitais humanos de vida e de morte: a virginal rainha Odette

e a incontrolável e destrutiva Odile, a saber, cisne branco e negro na encenação.


Ao tentar despertar o lado negro de Nina, Thomas tentas seduzi-la, rompendo a atmosfera recatada da moça, numa interpretação mecânica e diálogos curtos e evasivos entre a bailarina e o diretor.


Aqui se justifica a escolha de Portman para o papel, cuja beleza perfeita encarna com justeza a assepsia da jovem, encerrada em sua batalha pelo movimento justo e técnica indefectível. Ao tocá-la Thomas tenta trazer à tona seu lado oculto, sexual. Sem conseguir ser correspondido, no entanto reconhece ali um vulcão em erupção, pois a moça o morde agressivamente para se defender.
Assim, Nina ganha o papel, provocando a inveja das outras bailarinas. Mas o centro principal de tensão da trama reside na casa desta, onde sua mãe a aguarda, na expectativa de saber o resultado do teste. Sempre de negro,surgindo por entre a escuridão do apartamento, a mãe assemelha-se ao feiticeiro da peça, cercando a filha de cuidados mas controlando todos os seus passos no temor de que esta venha a se ferir, em seus ataques de ansiedade.
Durante todo o filme, a bailarina vai alterar ilusão e realidade em suas visões de automutilação. O ritmo doentio da fixação da peça de Tchaikosvky é marcado pela música incessante do celular de Nina e da caixinha de músicas que fica em seu quarto.
Assim como a bailarina do brinquedo, também sua mãe a mantém presa sob suas asas, até que surge Lily, a bela Mila Kunis, apropriadamente trajada de negro e maquiagem carregada, movimentando-se sinuosamente ao redor de Nina,pronta a atacá-la ou seduzi-la, ainda não se sabe o quê. Então,como no balé onde Odette encontra seu príncipe Nina também é escolhida para o papel principal, ponto alto de suas vidas, interrompidas pela chegada do cisne negro.


Lily é provocantemente incorreta, transgressora e agrada por isso, levando Thomas a compará-las, para desespero de Nina. Mesmo tentando manter-se afastada ela se deixa seduzir por Lily, sendo levada a uma sequência de transgressões, onde bebida e sexo indicam um rompimento com o cuidado materno.


Mas o impulso sexual, se liberta os movimentos do cisne branco, também asfixiam-na, na angústia por acreditar-se perseguida pela companheira de palco, que para ela pretende substituí-la, assim como Nina substituiu a primeira bailarina que se aposenta, interpretada por uma cinzenta e exageradamente maquiavélica Winona Ryder,


na pele da primeira bailarina Beth. Em seus delírios, Nina rompe sua própria pele, sangrando em cada movimento do personagem.
Aqui o filme retrata de forma fiel o cotidiano de dores e sacrifício do balé, em que a busca da perfeição leva a exageros como os interpretados por Natalie Portman ao conflitar a imagem da mãe com a atração que sente por Lily.
O olhar da câmera perscruta cada detalhe da dança, expondo suas vísceras de suor, cal e sangue, nas unhas da personagem que rompem sua pele continuamente, no desespero de não poder ser perfeita. Ao focar os pés e músculos emagrecidos de Natalie, o diretor provavelmente pretende refletir todo o esforço em manter-se sob uma minúscula base de gesso, na ponta da sapatilha .E quando as pernas falham,Nina cai ao chão, para de novo se levantar, incansavelmente, enquanto seus fantasmas internos insistem em confrontá-la.


A produção do filme de Darren Aronofsky corrobora a obsessão da bailarina pelos mínimos detalhes, na insistente música do Lago dos Cisnes e nas imagens das aves por todo o apartamento. Mas é nos conflitos Thomas - Nina, Nina-Lily, Nina-mãe que o filme encontra o reflexo mais exato da peça, quando Thomas seduz Nina para transformá-la no cisne negro ou quando a mãe desta a aprisiona em casa. O elemento novo nesse caso é o confronto explicito entre Nina (cisne branco) e Lily(cisne negro).Ao olhar-se no espelho a personagem de Natalie Portman busca o gesto incontido e a liberdade da outra, livre do peso de ser perfeita e como não encontra, volta-se contra si mesma, em sessões de mutilação, ao que o filme não esclarece serem reais ou imaginárias.


Ao afirmar que todos temos um lado negro, Thomas pretende trazer á tona o impulso inconsciente e mortal da bailarina, buscando desequilibrá-la para livrar-lhe das algemas que ela mesma construiu. E assim, na estreia do balé Nina enfrenta seu lado negro,mergulhando no personagem e encantando seu público ao encarnar no palco o próprio cisne negro em toda sua majestade .Findo o balé,Nina morre,como Odette, terminando por afirmar que de fato sentira o personagem. Para além do conflito bem e mal, a história de Aronofsky busca resgatar o terror do descontrole numa atmosfera claustrofóbica e angustiante.
O péblico sente a tensão e o conflito nos músculos de Portman, mas não enxerga seu lado negro enquanto esta não o explicita pela morte de Lily, fato que não se comprova no filme, sendo provável delírio da bailarina.



Ela é por demais perfeita como heroína em seu sofrimento para englobar dor e revolta contra outro que não ela mesma. Alguns críticos de seu desempenho avaliaram que se fosse dado o papel a uma bailarina profissional a construção do personagem seria melhor ao passo que Mila Kunis no papel de Odile movimenta-se com desenvoltura pelo personagem, seduzindo os espectadores com seus olhares ambíguos e sorriso de falsa inocência. Mas o conflito está em Nina e na relação consigo mesma,na projeção feita pela mãe em sua vida e na busca de eternizar a perfeição nos passos do cisne branco.


A morte de Nina é a morte dos sonhos de Odette, mas o ápice do espetáculo onde se conclui que a arte e a expressão da alma só se processam no desequilíbrio do falso controle que se pensa ter sobre a vida.


Ao encarar Lily/Odile a personagem enfrenta a angústia de criação própria dos artistas, fazendo de seu corpo a obra de arte de sua vida. Como um quadro na última pincelada, ou nos acordes finais de uma ópera, o balé reflete o auge, a busca pelo instante do equilíbrio perfeito, quase sempre inalcançável. Odette é o ideal intocável, a magia que arrasta milhares de bailarinos mundo afora pelos palcos, a captura do segundo de silêncio ante o toque do invisível.
Edgar Dias, pintor francês, ao retratar as bailarinas, buscava em suas telas,

mostrar o movimento constante das saias como um registro da passagem do tempo. Aronofsky em Cisne Negro captura os segundos intermináveis de uma execução de dança e lhes dá forma, na subida de Odette a rampa rumo a morte. É o momento em que vida e morte ,Eros e Tânatus se encontram, na infinita profundidade que só à arte cabe expressar.Se vale o Oscar ou não assim soube julgar a Academia de cinema,dando a Natalie Portman o primeiro oscar de sua carreira.






Para saber mais:



http://translate.google.com.br/translate?hl=pt-BR&sl=en&u=http://www.balletmet.org/Notes/SwanHist.html&ei=TiBuTevUIcWAlAfv4shG&sa=X&oi=translate&ct=result&resnum=9&ved=0CFQQ7gEwCA&prev=/search%3Fq%3Dswan%2Blake%26hl%3Dpt-BR%26biw%3D946%26bih%3D450%26prmd%3Divns

http://pt.wikipedia.org/wiki/O_Lago_dos_Cisnes
http://www.adorocinema.com/filmes/sol-da-meia-noite/
http://www.adorocinema.com/filmes/cisne-negro/

2 comentários:

  1. Não poderia ter lido nada melhor sobre Black Swan.
    Poucos perceberam a grandeza do filme.
    Fiquei irritada com alguns comentários dizendo que Nina era chata, sem sal, que Natalie tava horrível no papel. Eu, como (ex)bailarina, me identifiquei muito com a personagem. O perfeccionismo durante muito tempo era algo constante em minha vida, ainda tenho bastante, mas na época do ballet, era muito pior.
    Esse filme, para mim, mostrou tudo realmente de confuso que se passa nesse mundo.

    ResponderExcluir
  2. Minha bailarina,senti esse conflito sim,como sempre sinto em relação a arte,especificamente ao ballet.Engraçado pq vejo esse lado perfeccionista em vc sim,mas hoje em dia atenuado pelo seu crescimento.O filme me deu angustia,quase tive uma crise de panico no cinema,os conflitos estao muito expostos em cena,a Natalie Portman esta otima na pele da Nina,alias chego a dizer que o papel foi feito pra ela.Poucas teriam a capacidade de representar a leveza de uma bailarina com toda a carga dramatica da personagem.A Mila Kunis tambem é outra que leva o papel com naturalidade,achei-a muito natural..Acho q foi criada uma trama bem contemporanea

    ResponderExcluir

Em pauta: